As "férias grandes"
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As "férias grandes"


Imagem antiga das férias grandes

Os tios vinham de França. Nós, os primos, juntávamo-nos e formávamos um bando de putos irrequietos, sempre cheios de aventuras imaginativas, ao género daquelas dos 'Famosos Cinco'.

Ia-se para a praia a pé e ninguém se queixava, muito pelo contrário, fazia parte da diversão! O que também fazia parte era carregar alguma coisa para ajudar os crescidos, e ouvir reprimendas durante todo o caminho: “Não corras que ainda cais!”; “Não andem à bulha!”; “Vão mais devagar!”; “Olha que rebentas as chinelas de enfiar no dedo” (as chinelas, por vezes, ficavam coladas ao alcatrão que derretia no sol infernal). Mais ou menos meia hora disto, numa risota constante, que enervava os mais velhos, sempre tão cheios das responsabilidades das pessoas crescidas.

Lá chegados, passávamos horas enfiados na água até ficar com os lábios roxos e a tremer de frio. Mas só saíamos da água debaixo de nova reprimenda: “Sai já daí que 'tas a ficar gelada!”. “Não 'tou nada! É só mais um bocadinho!” A seguir era ‘correr para aquecer’, o que não era problema algum, visto as picardias entre os primos serem uma constante. Havia o jogar à apanhada; às lutas; aos árabes (com um turbante/toalha); rebolar na areia; ou simplesmente atirar areia, ou pedrinhas, uns aos outros até nos zangarmos a sério! Brigávamos até para decidir quem deitava a toalha ao lado de quem! Claro que passava logo tudo, à simples vista do lanche (que a praia abre o apetite) um papo-seco barrado com tulicreme (muito, de preferência). Com manteiga era uma deceção e com fiambre era uma exceção. Em dias de sorte havia, também, gelado epá, ou perna de pau, ou super maxi, ou um calipo, ou um upa-upa. Nos dias de sorte grande (raros) o direito a um corneto! No resto da tarde, banhos outra vez, claro! Sempre contra a vontade dos 'crescidos', que gostariam de nos ver deitados e bem sossegados na toalha... Tst! “Banho outra vez? Não te chega já de banhos por hoje?” Isso era pergunta para nos deixar a olhar para eles estupefactos, tal a enormidade da questão! Que pergunta mais disparatada! Eram horas de banho até serem horas de voltar para casa! Lá para depois das 19h, (ou mais tarde sempre que possível). E nessa altura lá suplicávamos desesperadamente por mais um banho "que a água agora é que está tão boa! Vá lá, deixa lá!" As vezes tínhamos sorte e lá íamos novamente. “Agora vais aquecer como, com esse fato de banho todo molhado?” ... Não me lembro de ficar incomodada com isso!

Por vezes, ao chegar a casa, havia ainda o banho de mangueira (que até estava morna, tal o calor) mesmo ali no pátio das traseiras, com direito a champô e tudo! E assim ficava o assunto despachado: criaturas lavadas, fatos de banho também! “Agora veste o pijama e vai sentar-te para jantar”. “O quê?! Não vamos um bocadinho à festa, hoje? Oh, não!!”... Era nestas alturas que fazíamos aquela cara chamada de 'amarrar o burro'. Naquela época da vida o tempo era infinito, assim como a energia daquele grupo de pestinhas. Os dias eram intermináveis, e preenchiam-se com um número também interminável de brincadeiras, se possível noite dentro: “Oh mãe, posso dormir na casa dos primos hoje? Vá lá...!”

Por vezes, íamos o dia inteiro para a praia. Como era preciso levar farnel, e a tralha (e a canalha) era muita, íamos na Renault 18, verde, do tio, todos encavalitados e cheios de calor. Os que não cabiam iam na mota do pai. P’raí umas quatro pessoas encavalitadas também, mas mais arejadas, pois claro. Nesses dias era um fartote de banhos (para não variar) desta feita com direito a todas as fases da maré.

Na hora de almoço a fogueirinha entre as rochas (qual acampamento nómada) panela das batatas e tudo! Sardinha assada, ou febra para os mais pequenos. E o sabor da comida? Delicioso! O pior vinha depois: “Mãe, já podemos ir ao banho?” -“Ainda não”. Daí a cinco minutos: “Mãe, já acabou a digestão?” -“Ainda não”... Caramba, como detestávamos o 'ainda não'! Mas a hora do banho finalmente chegava e, pronto, éramos felizes outra vez!

Quanto a performances de natação, aprendia-se a nadar 'à cão’. Depois ia-se melhorando aos poucos e de acordo com a vontade própria. Outro desporto favorito na hora do banho era o rebolar na areia ao sabor das ondas. Escusado será dizer que o fato de banho virava um depósito de areia, e de limos, também. E direito a novo ralhete: “Credo! Estás cheia de areia! E olha-me esse cabelo! Vai já lavar ao mar!” Oh, que chatice!...

Acabávamos o verão com uma barrigada de praia, para durar até ao ano seguinte! Os olhos a brilhar vivos e inocentes; um bronze assim mais a puxar para o negro (os protetores eram raros, mas os escaldões também); alguma tristeza porque o grupo dos primos ficava repartido de novo, mas já a pensar no reencontro; e as memórias cheias de alegria, de sol e de liberdade.

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